20 de setembro de 2010

Algumas reflexões sobre o trabalho autoral dos Irmãos Campana


Antes de tudo cabe esclarecer que os trabalhos dos Irmãos Campana, embora muitos torçam o nariz para este argumento, é sim design, no sentido restrito do termo. No entendimento comum, design significa projeto, e por projeto entendemos como um conjunto de atividades programadas com tempos e custos definidos visando solucionar um problema e cujo resultado é algo que até então não existia. Portanto não sei se cabe questionamento, pois isso eles fazem, com resultados sempre surpreendentes e inovadores.

Os móveis e objetos “projetados” pelos Irmãos Campana tem antes de tudo o mérito de colocar em discussão a própria natureza do design, enquanto atividade responsável pela concepção dos produtos que serão ofertados pelas industrias, contrariando as exigências tradicionais de redução de custos, racionalização da produção e adequação ergonômica, apenas para mencionar três aspectos fundamentais do design contemporâneo ensinado nas escolas.

Talvez este seja o segredo do trabalho deles, pois como nunca freqüentaram, na condição de alunos, um curso de design, não se sentem obrigados a seguir as normas e recomendações, em especial uma das máximas do design que apregoa que “menos é mais”.

Um é advogado e o outro é arquiteto por formação. Durante boa parte de suas vidas fizeram outras coisas e somente começaram a projetar objetos há pouco mais de quinze anos, segundo podemos observar em sua biografia, disponível em seu sítio web. Este fato seguramente contribuiu para aportar uma distância critica do design, com poucas influências perceptíveis e um repertório ilimitado de possibilidades. Este conhecimento restrito do design, enquanto método de projetar objetos e mensagens, comporta um paradoxo inquietante que é a liberdade extraordinária para pensar, projetar e produzir o que lhes vier à cabeça. Esta alegria quase infantil presente na cadeira Favela, apenas para citar um exemplo, remete à nossa infância de “casas na arvore” ou de carrinhos de rolimã feitos com pedaços de tábuas e restos de madeira.

Sempre ouvi dizer que é a ignorância sobre certos processos que nos dá a condição de questioná-los e afrontar seus limites. Não teria sido o desconhecimento de Niemeyer sobre calculo estrutural que deu a ele a coragem de projetar o que antes se julgava impossível?

A ousadia no uso de certos materiais, parecem também traduzir uma critica a sociedade de consumo e por conseqüência o próprio design. Os objetos resultantes deste processo lúdico de projetar, ampliados pelas lentes de uma forte sensibilidade estética e formal, despertaram a atenção de todo o mundo e deu aos irmãos Campana uma notoriedade sem precedentes na história do design brasileiro.

O que fazem enquadra-se com perfeição naquilo que podemos denominar de “design autoral” cujo compromisso assemelha-se mais ao do artista que do designer tradicional. Para o artista seu compromisso é consigo mesmo e com seu tempo. Para o designer seu compromisso é com o mercado, através da compatibilização dos anseios e necessidades de quem produz com aqueles que consomem.

Sem os exageros de parte á parte, de um lado a idolatria cultivada por aqueles que aspiram alcançar a condição semelhante de passarem a posteridade como fazedores de objetos de culto e admiração e tampouco sem a acidez critica dos designers tradicionais corroídos de desprezo por aqueles que não rezam em suas cartilhas, atrevo-me a dizer que o serviço prestado pelos Irmãos Campana ao design brasileiro assemelha-se ao que fez Phillipe Starck conseguiu para o design francês, gostem disso ou não.

Por outro lado, o trabalho deles nada tem de artesanal, a não ser a dificuldade de produzir em série aquilo que projetam. Esta condição não é suficiente apara qualificarmos estes produtos como sendo artesanato, pois a habilidade dos artesãos, os vínculos com a cultura de onde foram concebidos assim como a origem local dos insumos, e outros atributos inerentes ao artesanato não parecem ser condições consideradas por aqueles que projetam, como por aqueles que produzem e por aqueles que consomem.

11 de setembro de 2010

A dependência do feminino

Existem homens que não gostam de passar um dia sequer de suas vidas sem a presença e o respaldo de uma mulher. Eu sou um deles.

Quando digo isso não estou aludindo a uma questão de sexualidade, mas da importância do universo do feminino para que o masculino se complete e se realize. A presença feminina, onipresente na minha vida, me deu uma segurança ímpar, o de se saber cuidado. Talvez mais do que a o próprio amor penso que o homem deseja é saber que alguém vela por ele. Dos seus iguais espera a admiração e o companheirismo, que por maiores que sejam como valores, não suprem a ausência do pensamento diferenciado que o feminino aporta.

Minha admiração por esse mundo estranho e sedutor, cheio de mistérios e valores subjetivos, me instiga a buscar explicações e justificativas. A ciência já demonstrou o funcionamento diferenciado da mente feminina através da maior intensidade de atividade no hemisfério direito do cérebro, área responsável pela intuição e pela emoção. Fascina-me a capacidade da mulher de superar a dependência masculina pelas aparências em seus impulsos e escolhas afetivas; de conseguir representar vários papeis simultâneos (profissional, mulher e mãe) e de propor quase sempre soluções pouco cartesianas a partir de uma lógica nebulosa que não opta nem pelo sim e nem pelo não, muito antes pelo contrário. São estes os elementos, que definem o que qualifico como sendo o “pensamento assimétrico” fundamental para os processos criativos.

A mulher busca, desde tempos imemoriais, formas de superar sua capacidade de atração, onde a maquiagem é apenas uma das armas de sedução. A indústria de cosméticos movimenta mais de cem bilhões de dólares por ano, segundo cálculos da ONU. O mundo feminino é pródigo de fetiches, transformados em acessórios, cujo sapato hoje é o campeão. A maioria das mulheres ocidentais, de um determinado extrato social, contam os pares de sapato, em seus armários, em centenas. A média de consumo mensal no Brasil é hoje de um par de sapatos por mês por cada mulher. Observar os sapatos das mulheres e disso tirar alguma conclusão pode ser um exercício prazeroso, mas impossível de aportar uma resposta conclusiva e satisfatória. Falar de cor então, nem se fala...

Trabalhar com as mulheres é absolutamente fundamental para o sucesso de qualquer empreitada, mas tenho dúvidas, pelo ao menos pelo momento, se o mesmo principio vale para conduzir o país, não por uma questão de gênero, mas de personagem.

A dependência do feminino foi descrita com precisão no livro “Eurico o Presbítero de Alexandre Herculano, na metade do século XIX. “Dai às paixões todo o ardor que puderes, aos prazeres mil vezes intensidade, aos sentidos a máxima energia e convertereis o mundo em paraíso, mas tirai dele a mulher, e o mundo será um ermo melancólico, onde os deleites serão apenas o prelúdio do tédio."

Somos todos frutos da união entre o feminino e o masculino e trazemos em nosso DNA esta dupla referencia, com maior ou menor presença de um destes lados, cujas escolhas conscientes ou não, constroem nossa identidade individual e moldam nossa sensibilidade.