Decidi ir para Marrakech depois de uma disputa mental em
visitar cidades que ainda não conheço e me interessam por razões diversas entre
elas Carcassone por ser o coração da Provance; Berlim por sua dinâmica cultural
ou alguma das muitas cidades árabes do norte da áfrica. Desisti do sul da França pela dificuldade
logística e da Alemanha pelo frio que fazia.
Estava em Paris diante da perspectiva de um fim de semana
chuvoso e com uma agenda livre de uma semana antes de voltar ao Brasil. Ficar
na cidade ou aproveitar as ofertas de viagens de última hora? Viajar de improviso na Europa pode ser decisão
de impulso diante da oferta de voos baratíssimos do tipo “last minute”. Assim, optei
por ir à Marrakech, com a grafia e o sotaque francês, onde desembarquei no domingo
pela manhã, depois de um voo de três horas, com um Guia da Cidade editado pela Hachette
comprado no aeroporto de Orly. O tempo do voo serviu como preparação mínima
para entender e me locomover pela cidade, de taxi, ônibus, a pé e de charrete,
assim nessa sequencia, por quilômetros de largas avenidas e ruelas de dar medo.
A primeira descoberta foi que a cidade de Marrakech é
monocromática, cor de louça de barro, entre o ocre e o avermelhado. Nada escapa
dessa imposição cromática. Os táxis, os transportes coletivos, as casas, até os
meios-fios são pintados da mesma cor. O
único que desobedeceu a essa norma e habito local foi Yves Saint Laurent, pintando
de azul anil as paredes da casa (foto abaixo) e as cerâmicas de um Jardim particular que foi
morada do pintor Jacques Majorelle, comprada e restaurada por Yves e seu amigo
Jacques Berger. Virou atração turística obrigatória. Plantas dos cinco
continentes, cuidadosamente selecionadas e cultivadas durante anos,
distribuídas em espaço próprios nos canteiros, que circundados por pequenos
pontos de água, seriam a personificação do paraíso para os sentidos, não fosse à
fila interminável de turistas que fizeram desse espaço uma referencia no
turismo eco cultural. Diante da aridez
do deserto esse contraponto ecológico foi o maior luxo que o dinheiro pode comprar
para seus primeiros proprietários. Puro luxo emocional. Como de resto são os
Riads e restaurantes das mil e uma noites existentes na cidade. Estabeleci de
imediato o conflito cultural gastronômico, entre a cidade nova que quer ser contemporânea
ou a tradicional marroquina.
Experimentei todas as modalidades de Cuscus e Tahijes, em
restaurantes quase populares até o palácio Dar Yacoosa, com a decoração mais
suntuosa possível, que vale cada Dirahn gasto. Terminar o dia diante de uma
bela mesa, ouvindo virtuosos músicos locais, dança do ventre, incensos
perfumados e um inacreditável vinho local é a compensação por um dia inteiro de
andanças e descobertas, e aprendendo na pratica pedaços do modo local de vender
produtos e serviços. Do preço do taxi ao do artesanato, tudo passa por um duelo
entre ser explorado ou pagar o preço justo. Quanto mais seus olhos brilharem
maior a facada.
Dou duas dicas para quem for a Marrakech. Nunca compre nada
no primeiro dia da viagem. Procure saber, converse e desconverse. Deixe para
comprar no dia seguinte quando a emoção e o desejo estiverem esfriados.
Segunda: Tudo aquilo que não tiver o preço escrito ou tabelado seja você a dar
o primeiro numero. Oferta que terá de ser bem mais abaixo daquilo que estiver
disposto a pagar, porque irão chorar lagrimas de crocodilo ou rir da sua
proposta, para começar o jogo no qual são mestres, vender pelo melhor preço seu
produto ou serviço de acordo com a paciência do cliente. Assim comprei um Killim
pequeno, como prova material da minha primeira tentativa de imersão na cultura
local, visitando os locais de produção artesanal, uma babuch para andar dentro
de casa e os inevitáveis presentes.
O coração da cidade é a Praça Jemma-el-Fna. Durante o dia
parte desse gigantesco espaço vazio é ocupado por dezenas de encantadores de
serpente, com algumas enroladas no pescoço, querendo cobrar por cada foto que
deles for tirada. O mesmo fazem músicos
com trajes e instrumentos típicos e demonstrações de macacos e falcões
amestrados e dezenas de vendedores de sucos de laranja, dulcíssimas. Ao cair da tarde e pela noite adentro a praça
se enche de centenas de barracas com comidas exóticas, cheiros e temperos
fortes consumidos com as mãos sem ajuda do álcool, proibido perto da mesquita.
Milhares de pessoas circulam curiosas para ouvir os contadores de histórias, os
músicos locais e negociar com vendedores de pequenos artesanatos.
Dessa praça, que fica situada no meio da área murada do
centro da cidade, a Medina, sai um emaranhado de ruas e ruelas sem passeios,
disputadas palmo a palma por ciclistas e motociclistas, carroças de burro,
turistas lentos e pessoas apressadas. Mulheres de burca negra, apenas mostrando
os olhos ou uma exímia motorista de ônibus, demonstram ambiguidade da vida da
mulher na cultura muçulmana. A sujeira nas
ruas e o estado de conservação dos imóveis espantam. As ruas não têm placas com
seus nomes, desconhecem a simetria. Ruelas que se estreiam às vezes em
passagens de um metro de largura, tornando impossível a localização sem a ajuda
de informações das pessoas do local. Todos solícitos e simpáticos. Os mais
prestativos caminham na sua frente até o destino informado, claro a espera de
alguma ajuda financeira, nunca menor que cinco euros. Aprende-se depressa a ter
de andar com um bom e detalhado mapa da cidade, algum senso de orientação e tempo
para errar algumas vezes.O mapa abaixo é o mais detalhado que encontrei sobre a Medina.
Vale a pena o esforço de fazer essa viagem. Rompem-se velhas ilusões, preconceitos ou estereótipos. Descobre-se uma cidade que oscila entre a tradição e a modernidade, que vive uma desigualdade social gritante e uma inegável tensão no choque de culturas. Nela o folclore vira objeto de consumo de massa e a arte popular e o artesanato cada vez mais repetitivo, sem a ousadia do design, talvez com temor de perder sua identidade. Uma pena. As inovações presentes em algumas raras exceções, na moda no vestuário e em objetos de adorno, multiplicam às vezes por dez o seu preço percebido.
Vale a pena o esforço de fazer essa viagem. Rompem-se velhas ilusões, preconceitos ou estereótipos. Descobre-se uma cidade que oscila entre a tradição e a modernidade, que vive uma desigualdade social gritante e uma inegável tensão no choque de culturas. Nela o folclore vira objeto de consumo de massa e a arte popular e o artesanato cada vez mais repetitivo, sem a ousadia do design, talvez com temor de perder sua identidade. Uma pena. As inovações presentes em algumas raras exceções, na moda no vestuário e em objetos de adorno, multiplicam às vezes por dez o seu preço percebido.
Uma das características estéticas locais, presentes até nos
postes de iluminação pública, é o uso excessivo de elementos de adorno. Tudo é muito rebuscado. Todas as combinações
geométricas de linhas são exploradas nos azulejos, entalhes, grades, pisos,
portas e molduras. Em Marrakech a máxima do design “menos é mais” não se
aplica.
Três dias foram insuficientes para conhecer todos os pontos de maior interesse,
com um mínimo de tempo de fruição. Voltei com a bagagem cheia de óleos e
temperos exóticos, entre eles água de flor de laranjeira, curry, garans e o
desejo de conhecer da próxima vez, Casabranca, toda branca e de frente para o
mar.