8 de fevereiro de 2015

Territórios do Design

A compreensão do conceito do design varia em função do lugar, do tempo e dos indivíduos envolvidos. Desde uma visão reducionista do design como sendo apenas uma intervenção cosmética e superficial nos produtos de consumo ou na comunicação visual, até uma tentativa quimérica de equilíbrio entre arte e funcionalidade, o design significa, para a maioria dos designers, um modo de solucionar problemas existentes entre o homem e seu ambiente.
Teoricamente qualquer coisa com a qual o ser humano entre em contato direto entraria no universo de atuação do design. Do objeto à mensagem. Todos são interfaces impregnadas de elementos de identificação cultural. Sua acessibilidade, uso ou fruição, pressupõe uma compreensão de seu conteúdo, de sua linguagem e dos códigos que porventura utilize. E por detrás dessa cultura, janela pela qual os indivíduos enxergam o mundo, está também os sentimentos, necessidades e desejos das pessoas.
O design, enquanto processo, ao lidar com todos estes fatores necessita não de um especialista superdotado de conhecimentos e de talento, mas de uma equipe multidisciplinar e experiente, para não correr o risco de propor soluções superficiais ou inócuas. Por pressão e necessidade do mercado o design, enquanto disciplina, foi se multiplicando em dezenas de especialidades, definidas por seu conteúdo tecnológico. As fronteiras do design, como atividade profissional reconhecida, foram se expandindo de modo exponencial. Algumas necessárias e justificáveis outras dispensáveis como “design de sobrancelhas”. O que permeia toda a discussão sobre o que é ou não o design é a existência de um conceito, de um propósito, focado na solução dos problemas porventura existentes entre o individuo e seu meio físico.
Design Em uma tradução literal design significa projeto. E projeto significa um conjunto de atividades com tempos e custos definidos, cujo resultado final é algo que até então não existia. Design é projeto, porém desenvolvido com uma abordagem holística que considera todos os fatores intervenientes, e ao final, propõe uma solução que além de satisfatória seja surpreendente e/ou prazerosa. Assim o design desapega-se do objeto como sujeito de sua ação e volta-se para sua função. O produto como parte de um serviço.
Conceber o serviço é mais importante e anterior ao desenvolvimento do produto. O que esta por trás de qualquer serviço é a busca pela melhoria das condições de vida. Tornar a vida mais segura, mais confortável, mais saudável, mais humana deveria ser o compromisso primordial de qualquer serviço e por consequência de qualquer produto que venha contribuir para sua concretização.
Tendo o ser humano como cliente primordial elementos de sua cultura devem estar no produto impregnado, facilitando seu reconhecimento e familiarização. Por isso qualquer objeto feito pelo homem possui uma relação cultural, seja de afirmação seja de adoração. Os produtos de consumo mundial utilizam repertórios formais e cognitivos presentes no inconsciente coletivo, ou impõe sua estética e lógica funcional por força de sua marca ou de sua exclusividade.
A maioria dos objetos de uso cotidiano, de produção local ou restrita, possui uma forte vinculação com seu território, desde a escolha das matérias primas e processos até o uso de elementos de distinção cultural, que quanto mais singulares forem, maiores as possibilidades de ganho competitivo de quem as utiliza. Não podendo competir no preço se compete na diferenciação. Ao penetrar neste universo de condicionantes de projeto, que escapam as análises racionais, é necessário um modo distinto de olhar os problemas. Significa buscar soluções além das fronteiras do conhecido. Isso exige ousadia para correr riscos, pois toda inovação é incerta. Muitas soluções extraordinárias nasceram da aceitação do improvável.
Essa forma de pensar do design, muito mais complexa, pois conjuga o racional com o intuitivo, não parte de certezas, mas de dúvidas. O Pensamento do design, assim resumido, tem sido apontado como uma nova alternativa na esfera empresarial. No mundo dos negócios a expressão “design thinking” esta sendo utilizada como uma nova forma de abordagem dos problemas na alta administração. Uma abordagem holística e integradora. A visão do todo e não das partes de um problema. A colocação do homem no centro do problema, com suas necessidades, desejos e anseios, como centro das preocupações.
Acrescento que o design vai mais além do que as pessoas esperam quando é capaz de considerar que a beleza e a surpresa devem ser atributos indissociáveis dos resultados de um projeto. E, as inspirações e propostas são fruto não somente do talento, mas da capacidade de assimilar, processar e decodificar repertórios culturais como essência do mundo material.

Conceito de território (do ponto de vista de um designer)

Não é o indivíduo que pertence a um determinado território. É o território que pertence ao indivíduo, demarcado por suas escolhas afetivas. O território é o espaço do conhecido, do vivido. Nele o individuo reconhece a si e a seus semelhantes. O limite do território é quando começa o estranhamento, o desconhecido, o pouco familiar.
O território se refere a um espaço determinado a partir de nossa percepção, assimilado e reconhecido como próprio pelos cinco sentidos. O território pode ser uma rua, um bairro, uma comunidade.
Quem define os limites desse território são nossas escolhas afetivas. São os lugares que nós amamos através das boas lembranças que guardamos e pelas experiências vividas. Podemos estar ou viver em um determinado território, mas pertencermos a outro diferente, que guarda nossa origem, identidade e singularidade. Com o tempo vamos conhecendo, rejeitando, assimilando ou internalizando em nosso território individual novos elementos culturais. Assim podemos expandir nossa visão do território, ocupando emocionalmente novos espaços, seja pela assimilação de suas qualidades e virtudes, seja pela experiência proporcionada ou pelo desejo de apropriação. Visto sob este prisma o território é um conjunto complexo de elementos de identificação, cujas fronteiras são definidas por nossos sentimentos.
A importância do envolvimento emocional é a energia represada que quando demandada é capaz de promover as mudanças necessárias para uma requalificação territorial através do compromisso com a preservação de seu patrimônio físico e sensorial. Preservação no sentido de conhecer e valorizar as características essenciais do território, sua capacidade de renovação e de regeneração. Parafraseando Peter Drucker, grande guru da moderna administração, a sanidade de uma sociedade está em sua capacidade de gerenciar seu desenvolvimento equilibrando as heranças do passado com as expectativas do futuro.
As demarcações geopolíticas (cidades, estados, nações ou regiões) dificilmente correspondem a territórios culturalmente homogêneos. Do ponto de vista cultural se destacam apenas por um ou outro elemento de identificação, geralmente transformados em estereótipos, banalizados pela repetição.
O conceito de território que propomos se aproxima mais do conceito de paisagem cultural, ou paisagem antrópica, como sendo aquele espaço natural moldado pelas atividades construídas a partir da utilização e transformação dos elementos da natureza pelo homem. Quando analisado através de percepções individuais, o espaço territorial assume outra dimensão, não apenas física, mas também simbólica. Os elementos que definem o território são as intervenções humanas (edificações e usos do solo) as especificidades e singularidades naturais (fauna, flora, paisagem) acrescidas das emoções e sensações relacionadas (vivencia, memória) e compromisso de futuro (vocações, potencialidades, desejos e expectativas).

Design Territorial

O design territorial consiste em uma metodologia de projeto cujo resultado é a proposição de uma visão de futuro sobre um determinado espaço geográfico, que considere as vocações locais, as oportunidades e o desejo de seus habitantes. Uma visão compartilhada e construída, inclusive com um público impossível de estar presente que são as gerações futuras porém se fazendo presente na forma da projeção de suas necessidades e demandas.
Para projetar essa visão de futuro, desejável e possível, é necessário resgatar a autoestima das pessoas. Seja pela descoberta dos valores que definem seu modo de vida ou pelo reconhecimento de seus atributos singulares e diferenciadores. Valorizando sua identidade e os vínculos emocionais com sua história e seu passado.
Olhar para o passado ajuda a projetar o futuro. Disse Aloísio Magalhães, um dos pioneiros do design brasileiro, fazendo uma metáfora com o ato de projetar, pois quanto mais atrás se puxa a borracha do estilingue mais longe se joga a pedra. O passado é herança, é identidade. E com isso se constrói uma realidade única e singular.
Propor soluções para os problemas existentes na fronteira entre o espaço coletivo e os desejos e necessidades das pessoas começa por conhecer a ambos. Por um lado, identificar no território seus atributos mais valiosos, sejam naturais ou construídos, e por outro, ouvir as pessoas através de uma escuta sensível capaz de revelar além de suas necessidades de curto, médio e longo prazo, suas aspirações e desejos.
Com essas informações, referendadas por um grupo representativo, busca-se um conceito norteador capaz de aglutinar os saberes mais proeminentes, exprimir as vocações locais e apontar para uma direção por todos aspirada. Os resultados visíveis de um projeto de design territorial começam por traduzir em palavras e imagens, simples e compreensíveis, memorizáveis e memoráveis, essa visão de futuro sonhada. Uma marca para o território, em uma linguagem facilmente assimilada, compreendida, reproduzida e apropriada por todos.
Das ações mais imediatas e necessárias está a necessidade de traduzir o espaço territorial em uma cartografia ilustrada. Um mapa visual destacando os principais pontos de interesse, graficamente representados. Isso ajuda as pessoas a se localizarem espacialmente, se identificarem e se apropriarem mentalmente daquele espaço.
Esta marca adotada para o território deve estar presente em seus produtos típicos, em especial, no artesanato. Produtos que por sua expressão cultural única e singular criem novas oportunidades de trabalho e promovam um sentimento de admiração pelas coisas do lugar. Cabe ao design territorial propor soluções simbólicas e de impacto positivo com relação aos equipamentos de uso coletivo. Ações e intervenções operando como uma agulhada de acupuntura no tecido urbano, gerando um efeito multiplicador e benéfico.
Em síntese, um território, para um designer, é um espaço demarcado por suas similaridades e virtudes. São os elementos que definem uma paisagem cultural que o design se utiliza para concentrar sua visão. Uma visão crítica e ousada, capaz de perceber que para conseguir um padrão de vida digno para todos é necessário subordinar nossos desejos as necessidades de todos e ao bem estar coletivo.
Por sua natureza multidisciplinar e dinâmica o design territorial é um processo de compartilhamento de conhecimentos e experiências para compreensão dos fenômenos culturais que definem um determinado espaço geográfico, extraindo deles os insumos diferenciadores para os processos criativos e gerando propostas inovadoras e abrangentes como resposta às necessidades e desejos presente no inconsciente coletivo.

Laboratório de Inovação Cultural – Labin (uma proposta)

A proposta do Laboratório de Inovação Cultural surge como forma de viabilizar a execução de projetos relacionados com o design territorial. Por se tratar do desenvolvimento de projetos com duração finita prescinde de uma base física permanente, utilizando espaços compartilhados com instituições parceiras enquanto existirem os projetos que justifiquem sua existência. O Labin tem seu foco na Economia Criativa, atuando como uma sonda exploratória nos territórios definidos, buscando identificar oportunidades de criação e de inovação.
Em sua concepção original o Labin diferenciava-se dos Laboratórios de Design ou de inovação Tecnológica, pois atua principalmente nas questões intangíveis, unindo memória e identidade, oportunidades presente e cenários futuros. Parte do território e de suas singularidades como fontes de recursos materiais e culturais que permitem diferenciar seus produtos e serviços em um mercado globalizado.
O Labin parte da premissa que os produtos de consumo possuem um vinculo cultural, seja com seu público de destino, seja com a cultura de onde foi concebido ou produzido. Produtos de uso indistinto por diferentes consumidores em diferentes países, considerados produtos globais, são privilégios de indústrias e países que combinam baixo custo com gigantesca capacidade de produção. Seu vinculo é com a cultura global, usando repertórios comuns a todos.
Para sobreviver em um mercado globalizado que a todos iguala, a atitude diametralmente oposta parece ser a solução. Investir em produtos locais, relacionados como os modos de ser e de viver de um determinado território. Para conseguir essa oferta diferenciada e inovadora o Labín se apoia na colaboração de uma rede de especialistas inter-relacionados e complementares, com disposição voluntária e mobilidade, apara atuarem de modo presencial em cidades ou territórios singulares promovendo ações para o bem comum. Com esse principio filosófico o Labin pratica o Commons Design que pode ser traduzido como um processo criativo que é comum, pertencente a todos, ou a muitos. Pressupõe a ideia de algo feito por muitas pessoas, coletivos ou comunidades, para o beneficio comum. O Commons é o principio filosófico da cibercultura, que necessita da criação compartilhada e colaborativa, ou cocriação, para se desenvolver.
O design foi uma das atividades pioneiras na utilização desse conceito, muito antes mesmo do surgimento da web, com a criação dos eventos designados como Interdesign. Nestes eventos designers estrangeiros convidados participam com designers e especialistas locais no desenvolvimento de propostas de soluções para problemas reais, cuja propriedade intelectual ou industrial resultante é de domínio público. No Brasil a proposta do interdesign foi assimilada sob a denominação de “Oficinas Criativas de Design”, realizadas em sua maioria junto a comunidades artesanais. Estas ações pontuais demonstraram necessitar de um apoio mais permanente para internalizar os processos de inovação sustentável nas comunidades artesanais. Com isso surgiram os Laboratórios e Núcleos de Design para o Artesanato criados em cada estado da federação.
Três países da América Latina se destacam por seu grau evolutivo do design social, da promoção e da valorização do produto artesanal ou de referencia cultural. Brasil, Colômbia e México. A expertise conquistada nestes países, além de características comuns, favoreceu a criação dos Laboratórios de design para o artesanato e a pequenas empresas. O Laboratório pioneiro, em Florianópolis, desenvolveu e testou metodologias de intervenção no segmento artesanal valorizando o patrimônio cultural existente, que serviram como modelo e referencia em todo o continente.
A experiência acumulada em contínuos esforços de criação compartilhada entre designers e artesãos permitiu o aperfeiçoamento da metodologia de trabalho, tornado-as mais eficaz, ágil, responsável e consequente. A mais importante delas tenha sido a percepção dos vínculos profundos entre o objeto artesanal e seu território e as implicações disso decorrentes. Antes de projetar produtos é necessário refletir sobre as vocações, os potencias e as possibilidades futuras para o território focado.
É necessário conhecer as expressões culturais mais expressivas presentes no inconsciente coletivo, assim como os vínculos emocionais de sua população através de suas memórias afetivas de tempos, lugares e personagens. Este painel sintético representativo da herança e patrimônio cultural é a base sobre a qual o processo criativo vinculado com sua origem se desenvolve propondo produtos e serviços com um diferencial de qualidade e de distinção em um mercado globalizado.
Para assumir a responsabilidade pela condução destas atividades é que surge os Laboratórios de Inovação cultural com um novo enfoque: Primeiro pensar o território para depois pensar os produtos. Dentre as atribuições previstas para um Laboratório de Inovação Cultural estão as seguintes atividades e desafios:
• Aplicar e transferir uma metodologia de inserção de projetos criativos nos territórios culturalmente definidos a partir das vocações locais, potencialidades e perspectivas de futuro.
• Aplicar e aferir ferramentas de pesquisa com base na memória sensitiva das pessoas do lugar.
• Construir e disponibilizar uma matriz de elementos de referencia cultural do território definido servindo de base para os processos criativos.
• Propor uma oferta diferenciada de objetos de suporte e valorização da gastronomia regional e do artesanato local.
• Oferecer suporte executivo aos projetos e ações relacionadas com a integração da cidade-sede de cada Labin à Rede Mundial das Cidades Criativas em uma das categorias estabelecidas pela UNESCO.
Nesse primeiro semestre de 2015 estão sendo criados dois Laboratórios de Inovação Cultural. Um na cidade de Ensenada, no México e outro em Florianópolis. Ambos para apoiarem inicialmente os projetos relacionados com as respectivas inserções dessas duas cidades na Rede de Cidades Criativas da UNESCO.